"E aquele carinho que eu te dei?
Traição sempre foi e sempre será um assunto sobre o qual pouco se deseja falar com franqueza. Até porque franqueza, neste caso em especial, requer uma exposição além do comum; e por mais que já sejamos e nos tornemos cada dia mais públicos, este assunto ainda não parece merecer muita propaganda.
O traído é um coitadinho envergonhado e o traidor um pecador que merece a pena máxima.
Nem um, nem outro.
Temos o vício de ver o que queremos, quando queremos e se quisermos.
Se a gente olhar diante de um espelho, com a luz apagada e sem testemunhas, saberá que, de alguma maneira, o que era doce não se acabou, simplesmente porque nem tão doce assim era. Mas chamar a si mesmo à realidade dá trabalho, requer fôlego pra recomeçar; e recomeçar dá preguiça.
Ficamos uns diante dos outros cobrando atenção e fidelidade como se fossem notas promissórias. Quase implorando para não ser trocada, substituída, exatamente como se estivéssemos numa partida de futebol em que temos apenas que golear e jamais levar gol.
A traição ensina. Ela permite. Ela já estava ali dando seus sinais. Você não quis ver, eu não quis ver, ok, problema nosso, mas não estamos disputando o troféu coitadinho do mês.
Se a relação for suficientemente franca haverá um enorme amadurecimento a partir de um acontecimento devastador como este.
Além desse benefício acho que emagrecer é uma dádiva e, nestes momentos, dar uma sofrida faz a gente ficar leve, pelo menos na balança.
Seja como for, com toda dor, que não haja clamor, do tipo: e aquele carinho que eu te dei?
Deu está dado e não se fala mais nisso.
Confiança, neste momento, é confundida com ética. Seja ético com quem te traiu, não espanque sua autoestima.
Olho no olho e a pergunta que não quer calar é: o que fazer a partir do que está feito?
Aquele carinho que você deu foi lindo, nem era doce, nem acabou; apenas precisa ser ressignificado.
Sem drama. O sofrimento invoca o mínimo de decência íntima.
Chorar até desaguar a alma. Falar até não ter mais saliva. Vitimizar-se, não, por favor.
E aquele carinho que eu te dei é pergunta que não se faz. Não quando se tem carinho por si mesmo. "
|Cláudia Dornelles|
beijos e carinho, bell
https://www.youtube.com/watch?v=VqVF5pARLQs