Às vezes é preciso aprender a perder, a ouvir e não responder, a falar sem nada dizer, a esconder o que mais queremos
mostrar, a dar sem receber, sem cobrar, sem reclamar. Às vezes é preciso respirar fundo e esperar que o tempo nos indique
o momento certo para falar e então alinhar as ideias, usar a cabeça e esquecer o coração, dizer tudo o que se tem para dizer,
não ter medo de dizer não, não esquecer nenhuma ideia, nenhum pormenor, deixar tudo bem claro em cima da mesa para
que não restem dúvidas e não duvidar nunca daquilo que estamos a dizer.
E mesmo que a voz trema por dentro, há que fazê-la sair firme e serena, e mesmo que se ouça o coração bater
desordenadamente fora do peito é preciso domá-lo, acalmá-lo, ordenar-lhe que bata mais devagar e faça menos
alarido, e esperar, esperar que ele obedeça, que se esqueça, apagar-lhe a memória, o desejo, a saudade, a
vontade.
Às vezes é preciso partir antes do tempo, dizer aquilo que se teme dizer, arrumar a casa e a cabeça, limpar a alma e
prepará-la para um futuro incerto, acreditar que esse futuro é bom e afinal já está perto (...) Pensar que o tempo está a
nosso favor, que o destino e as circunstâncias de encarregarão de atenuar a nossa dor e de a transformar numa recordação
ténue e fechada num passado sem retorno que teve o seu tempo e a sua época e que um dia também teve o seu fim. Às
vezes mais vale desistir do que insistir, esquecer do que querer, arrumar do que cultivar, anular do que desejar.
No ar ficará para sempre a dúvida se fizemos bem, mas pelo menos temos a paz de ter feito aquilo que devia ser feito, somos
outra vez donos da nossa vida e tudo é outra vez mais fácil, mais simples, mais leve, melhor. Às vezes é preciso mudar o
que parece não ter solução, deitar tudo abaixo para voltar a construir do zero, bater com a porta e apanhar o último
comboio no derradeiro para trás, abrir a janela e jogar tudo borda fora, queimar cartas e fotografias, esquecer a voz e o
cheiro, as mãos e a cor da pele, apagar a memória sem medo de a perder para sempre, esquecer tudo, cada momento, cada
minuto, cada passo e cada palavra, cada promessa e cada desilusão, atirar com tudo para dentro de uma gaveta e deitar a
chave fora, ou então pedir a alguém que guarde tudo num cofre e que a seguir esqueça o segredo. Às vezes é preciso saber
renunciar, não aceitar, não cooperar, não ouvir nem contemporizar, não pedir nem dar, não aceitar sem participar, sair
pela porta da frente sem a fechar, pedir silêncio e paz e sossego, sem dor, sem tristeza e sem medo de partir. E partir para
outro mundo, para outro lugar, mesmo quando o que mais queremos é ficar, permanecer, construir,investir,
amar.
Porque quem parte é quem sabe para onde vai, quem escolhe o seu caminho e mesmo que não haja caminho porque o
caminho se faz a andar (...).
(Margarida Rebelo Pinto)